Por Renata Bueno, ex-parlamentar italiana, advogada e presidente do Instituto Cidadania Italiana
Às vésperas de um dos conclaves mais aguardados das últimas décadas, a sucessão do Papa Francisco promete definir os rumos da Igreja Católica em um cenário global de intensas transformações. O próximo papa enfrentará o desafio de equilibrar as forças entre reformistas e conservadores dentro da instituição.
Três grandes correntes despontam nas especulações: os continuístas, cardeais como Oswald Gracias (Índia) e Christoph Schönborn (Áustria), que defendem a continuidade do legado reformista de Francisco, com uma Igreja mais aberta aos marginalizados e uma gestão menos centralizada; os tradicionalistas, representados por figuras como Luis Ladaria (Espanha) e Robert Sarah (Guiné), que buscam um retorno a doutrinas mais rígidas, especialmente em temas como moral sexual e liturgia; e os candidatos de consenso, como Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano, ou Marcelo Semeraro (Itália), que podem emergir como alternativas de equilíbrio, capazes de acalmar as tensões internas e preservar a unidade da Igreja.
Francisco deixa marcas profundas na história recente da Igreja. Conhecido como o “Papa dos pobres”, ele defendeu incansavelmente os imigrantes, denunciando as políticas de exclusão e xenofobia, além de convocar a Europa e o mundo a acolherem refugiados em busca de dignidade e sobrevivência. No campo ambiental, sua encíclica “Laudato si’” revolucionou a postura da Igreja ao colocar a crise climática no centro da agenda católica, chamando à responsabilidade moral pela preservação do planeta e denunciando os efeitos sociais devastadores da degradação ambiental.
Além disso, Francisco fez da luta pela igualdade social uma bandeira permanente, criticando abertamente o capitalismo selvagem, a desigualdade extrema e o abandono dos mais vulneráveis. Sua defesa de uma Igreja “em saída”, comprometida com as periferias existenciais e geográficas, redefiniu o papel social do catolicismo no século XXI.
Contudo, seu sucessor encontrará um cenário de grandes tensões: a direita católica, movimentos conservadores, especialmente nos Estados Unidos e na África, que resistem às mudanças em temas como o celibato sacerdotal e a inclusão de fiéis LGBTQIA+; as reformas estruturais, a luta contra a corrupção no Vaticano e a ampliação da participação de leigos e mulheres nos espaços de poder da Igreja, que correm o risco de retrocessos, e a geopolítica, pois com a ascensão de regimes autoritários, caberá ao novo papa decidir se manterá a postura crítica de Francisco ou se buscará uma relação mais conciliatória. Se o novo Papa for um moderado, como Parolin, veremos ajustes graduais. Mas se for um conservador radical, a polarização dentro da Cúria pode se intensificar.
Além das disputas internas, o próximo pontífice herdará um mundo em profunda transformação: crise migratória – a Europa observa atentamente se o Vaticano continuará defendendo os direitos dos refugiados, como Francisco fez de forma veemente. Meio ambiente – após a liderança inédita de Francisco no combate às mudanças climáticas, qualquer recuo na defesa da ecologia seria interpretado como um forte sinal de mudança de rumo. Escândalos de abusos – a pressão por transparência e justiça permanece alta, e qualquer retrocesso na responsabilização de clérigos abusadores poderá abalar ainda mais a credibilidade da Igreja.
O conclave não escolherá apenas um líder espiritual, mas um ator político de relevância mundial. Quem assumir terá a missão de equilibrar tradição e a necessidade urgente de respostas a uma sociedade em colapso social. Enquanto a fumaça branca ainda não se eleva sobre a Praça São Pedro, uma certeza já se impõe: o futuro do catolicismo será decidido em meio a uma intensa batalha de visões que ultrapassa os muros do Vaticano.
Renata Bueno 41 99776-5947 [email protected]