Toyota põe em risco a vida de centenas de pessoas em desastre ambiental com a contaminação do solo por agentes químicos vazados na planta de SBC

Inaugurada em 1962 no município de São Bernardo do Campo, região metropolitana da grande São Paulo, a primeira fábrica da Toyota fora do Japão, é considerado o passo mais importante da história para a expansão global da montadora. Naquela planta, a empresa iniciou a produção do icônico landcruiser bandeirantes, sucesso de vendas fabricado até o início dos anos 90.

Linha de produção do Toyota Bandeirante em 1983 — Foto: Divulgação

Linha de produção do Toyota Bandeirante fábrica de São Bernardo do Campo — Foto: Divulgação

Famosa e admirada no mundo inteiro por seu sistema de produção lean baseado nos 4Ps: Filosofia (Philosophy), Processos (Process), Pessoas e parceiros (Peoples and partners) e Melhoria contínua (Problem solving), pilares do Toyotaway que supostamente sustentam sua operação em todas as partes do mundo, a empresa ainda demonstra preocupações com a sustentabilidade dos seus processos e os impactos que a fabricação dos seus produtos possa causar ao meio ambiente.

Adepta ao conceito de ecofactory, a Toyota patrocina projetos ambientais por meio da fundação Toyota, tais como o projeto Arara Azul, projeto águas da Mantiqueira, projeto S.O.S Pantanal etc. desenvolvendo programa de ESG, sigla, em inglês, que significa: environmental, social and governance, que corresponde às práticas ambientais, sociais e de governança de uma organização. 

Ocorre que a multinacional japonesa, aparentemente, parece ter esquecido de aplicar todas essas boas práticas de sustentabilidade e governança em seu próprio quintal, a planta de São Bernardo do Campo -SP.

Desde o início da produção de veículos em 1962 até os dias atuais, a Toyota do Brasil contaminou o solo da fábrica situada na cidade com agentes químicos altamente nocivos à saúde humana e ao meio ambiente, metais pesados como: chumbo, enxofre, tíner, cádmio, cianeto e gás metano, entre outros, fazem parte dos elementos químicos descartados de forma criminosa pela empresa no meio ambiente, comprometendo todo o solo do bairro jardim Planalto, onde a fábrica encontra-se instalada.

Este verdadeiro desastre ambiental, expõe centenas de vidas ao risco pela disseminação de doenças causadas por esta contaminação, que pode ter alcançado o lençol freático existente embaixo do terreno, conforme atestam os laudos emitidos pela Cetesb – Companhia Ambiental do Estado de São Paulo a que tivemos acesso.

 A contaminação do solo e o crime ambiental como política de redução de custo.

Um ex-funcionário da empresa, que prefere não se identificar e que chamaremos de Jorge para preservar a sua identidade, denuncia que tonéis contendo cianeto foram enterrados no meio da fábrica de São Bernardo do Campo, ao lado da linha de tratamento térmico de peças.

Segundo ele, este material altamente nocivo e tóxico foi aterrado no local por uma questão de redução de custo, onde a empresa, por meio dos seus gestores, entendeu que seria muito caro o custo do descarte correto deste material, optando assim por alternativa mais barata, porém nociva e prejudicial ao meio ambiente.

Qualquer semelhança com o ocorrido nas barragens de rejeitos de minérios da Vale do Rio Doce em Brumadinho – MG não é mera coincidência, trata-se de crime ambiental grave, que tem origem e preocupação na contenção de custos em detrimento à vida, à saúde humana e ao meio ambiente, um verdadeiro descaso que precisa ser investigado pelo ministério público federal com urgência.

Ainda segundo o sr. Jorge, pessoas foram contaminadas dentro da fábrica em SBC, manuseando esses produtos químicos no desempenho de suas funções, desenvolvendo doenças ocupacionais graves, sendo que muitos vieram a óbito, em decorrência de câncer e ao serem abandonados pela empresa com a doença já em estágio avançado.

 Sem o plano de saúde, sem o tratamento adequado e largados à própria sorte, essas pessoas foram condenadas à morte pela política de “governança social” da multinacional japonesa, maior montadora de veículos do mundo.

Outro ex-funcionário da Toyota e que também não identificaremos por sigilo, o qual chamaremos de Sr. B, trabalhou na empresa durante 32 anos, e afirma que tais contaminações por cianeto, ocorreram principalmente no processo de tratamento térmico de peças, no período entre os anos 60 e anos 90. 

Ele atesta que este elemento químico era utilizado sem que houvesse qualquer proteção ao solo e aos trabalhadores. O procedimento, segundo o sr. B era realizado com o cianeto no tratamento térmico em terra nua, a menos de 200 metros de um poço artesiano utilizado no fornecimento de água consumida pelos empregados da fábrica de São Bernardo, o que é proibido por lei. 

Este poço, que foi desativado recentemente, confirma a existência e contaminação de um lençol freático que corre embaixo do terreno, e de um córrego existente ao lado da avenida Max Mangels Sênior. 

O Sr. B. afirmou que os resquícios de cianeto permaneciam impregnado nas roupas dos trabalhadores e que, possivelmente, as famílias desses trabalhadores também podem ter sido contaminadas. apontou o ex-empregado da Toyota:

 “o cara tinha contato direto com o cianeto e ele levava o cianeto na roupa, vamos dizer que a mulher vai lavar, ou pegava na roupa do cara e tomava um copo de água, ela podia morrer, ser contaminada, tem até um relatório afirmando isso, esse cianeto caiu no solo, o sistema de tratamento térmico com o cianeto era no solo, na própria terra” declarou.

Ele demonstra estranheza ao fato da Cetesb – Companhia Ambiental de São Paulo, não ter aplicado multa à Toyota na época em que foram verificadas as ocorrências.

O cianeto em questão mencionado, é o cianeto de potássio que pode se converter em um gás altamente tóxico se tiver contato com qualquer ácido, esse gás é denominado de gás cianídrico e acabou sendo usado para o extermínio de seres humanos nas câmaras de gás da Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial.

Além do cianeto havia diversos outros agentes contaminantes como óleos usados no processo de cementação e tempera com banho de sal, tetracloretileno, tetracloretano, tintas, solventes, filmes de benzeno e gás metano com risco de explosão. Os processos de produção com maior contaminação, segundo o ex-funcionário são da usinagem de peças, funilaria e pintura, onde muitos trabalhadores adoeceram e perderam suas vidas trabalhando com esses materiais altamente tóxicos.

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Arbeit macht frei” frase em alemão que significa “o trabalho liberta” apregoada no pórtico em Auschwitz , campo de concentração nazista.

Fábrica de São Bernardo do Campo fabricava componentes para modelos fora de linha e peças para Corolla e Hilux. Crédito: Toyota/Divulgação

 Os sobreviventes adoecidos, abandonados pela Toyota e o PDV fraudulento de 2020.

Sobrevivente ao Holocausto são bernardense, o Sr. R. trabalhou na Toyota durante 25 anos e também foi contaminado por agentes químicos na planta de São Bernardo do Campo, desenvolveu fibrose hepática que somente não avançou para câncer no fígado porque ele conseguiu tratamento médico adequado fora do convênio médico empresarial, tendo experimentado efeitos colaterais como psoríases, mal-estar, e comprometimento das funções hepáticas.

 Em desabafo, o Sr. R. contou que: “muitas pessoas começaram a reclamar de respiração difícil e nódulos na garganta, além de psoríase, dor de cabeça, feridas no corpo, e fibrose hepática” e que viu vários colegas da produção morrerem com a mesma doença e em função de não terem acesso ao tratamento adequado da patologia contraída no desempenho das suas funções, principalmente por terem sido despedidos sumariamente pela empresa ao descobrirem que estavam doentes e incapacitados.

O Sr. R afirmou ainda que foi vítima de perseguição dentro da empresa, que a Toyota buscava, constantemente, condições para dispensá-lo de forma imotivada. Ele denunciou que, em 2020 a empresa instituiu um programa de demissão voluntária, um PDV risível, que mais tarde se mostraria uma ação fraudulenta, viciada, eivada de corrupção e abuso de poder. 

Relatou, o Sr. R. que a empresa aprovou o PDV por meio de uma assembleia fraudada, onde foram convocados os trabalhadores do chão de fábrica, que não faziam parte do público-alvo ao qual o PDV – 2020 era destinado, esses trabalhadores, cooptados pela Toyota, votaram no lugar dos trabalhadores do setor administrativo, o que garantiu a aprovação do plano de demissão “voluntária” destinado ao setor de administração.

Após a aprovação de um acordo trabalhista desfavorável, onde foram oferecidos apenas 12 salários, a Toyota do Brasil, chamou individualmente os funcionários mais antigos, dentre eles, o Sr. R. impondo-lhes a obrigação de anui o PDV – 2020, sob a ameaça de despedimento posterior sem nenhuma indenização, o que configura vício de vontade, coação e a má fé, e torna nulo de pleno direito qualquer contrato assinado, segundo advogados especialistas consultados por esta reportagem.

Um ex. diretor sindical com mandato vigente à época dos fatos narrados, funcionário da Toyota do Brasil por mais de 35 anos e que teve acesso aos bastidores das negociações tratadas entre o sindicato dos metalúrgicos do abc e a Toyota, o Sr. G afirmou em depoimento que a empresa determinou a segregação dos funcionários administrativos no PDV-2020, listando aqueles que deveriam ser desligados da companhia imediatamente, e ainda a outra parcela de funcionários que deveriam ser transferidos para a fábrica em Sorocaba. 

O objetivo da Toyota, nos conta o ex-diretor sindical, era impedir que esses funcionários remanescentes tivessem acesso ao real PDV – Programa de Demissão Voluntária instituído meses depois, onde a empresa ofertou 35 salários e mais um salário adicional por ano de serviços prestados aos trabalhadores da produção, os mesmos que votaram de forma fraudulenta na assembleia em 2020.

Multidão de pessoas

Descrição gerada automaticamente

Funcionários do chão de fábrica, maioria dos votantes na Assembleia em 2020 que aprovou o PDV destinado ao setor administrativo na Fábrica de São Bernardo do Campo.

Funcionários do chão de fábrica, maioria dos votantes na Assembleia em 2020 que aprovou o PDV destinado ao setor administrativo na Fábrica de São Bernardo do Campo 

Ao todo, cerca de 258 pessoas foram coagidas pela empresa, e assinaram o acordo trabalhista em 2020, dentre as quais, 168 ex-funcionários recorreram ao ministério público do trabalho, por meio de uma denúncia protocolada em julho de 2022. 

Sr. R. afirmou que, segundo o regimento interno do MPT- 2ª região, este procedimento administrativo teria o prazo de 365 dias para resolução, prorrogáveis por mais 365, porém, até o fechamento desta reportagem, não houve a resolução da demanda denunciada no procedimento administrativo PA-PROMO nº 004155.2022.02.000/0. E tampouco a prorrogação do prazo.

Chama atenção o fato de terem sido listadas mais de vinte testemunhas em uma lista sugestiva enviada ao MPT, e até o momento, ninguém foi convocado para prestar depoimento. 

A Toyota Motors Corporation – TMC, matriz da multinacional japonesa foi comunicada dos fatos ocorridos na planta de São Bernardo do Campo, e não se pronunciou, demonstrando ser conivente com as ações executadas pela filial no Brasil.

 Notícias internas da companhia dão conta de que a matriz japonesa enviou recursos suficientes para que todos os funcionários que concordassem com o PDV, recebessem 50 salários como indenização, ao invés dos 12 salários oferecidos ao setor administrativo e os mais 35 salários ofertados ao chão de fábrica, porém esses recursos foram extraviados por conta da corrupção da alta direção da Toyota do Brasil, pois a empresa tem por prática corromper políticos, autoridades, funcionários dos órgãos públicos, entidades de classe, e órgãos fiscalizadores em geral, com o objetivo de obter vantagens e fugir a lei.

O encerramento das atividades na fábrica em SBC após 60 anos.

No (16/11/2023), a Toyota desligou os últimos 150 funcionários da unidade são-bernardense, encerrando definitivamente as atividades naquele local. 

Deixando para trás uma espécie de herança maldita, um terrível legado de crimes de contaminação ambiental na cidade que tão bem lhe acolheu, crime de corrupção, e abandono de pessoas que dedicaram uma vida inteira a empresa e no fim, se viram doentes, enganados em PDV fraudulento, obrigados a assinarem sua demissão e relegados à própria sorte com problemas de saúde ocupacional adquiridos no interior da fábrica em São Bernardo do Campo e que para alguns , infelizmente , significou uma sentença de morte.